— É hoje? — eu perguntava todos os dias ao acordar.
Uma vez a cada sete dias a cabeça balançava para cima e para baixo. Para mim, além de resposta afirmativa, era dia do suquinho. Só de pensar, meu estômago lambia os beiços. Logo me voluntariava a carregar as sacolas. Uma vez na feira, conversava telepaticamente com o líquido dentro da caixa de isopor, lambendo-o com a língua da imaginação. Quando finalmente passava diante da barraca do suquinho, apontava para caixa e berrava:
— Mãeinhê! Compra?
— Credo, filho! Isso aí é xixi com tinta! — retrucava a mãeinhê.
Podia ser veneno! Meu sonho era sentir aquele xixi gelado deslizando goela abaixo. Mas sobre a radiação seca do asfalto, a mãeinhê transformava o suquinho em caldo de cana. O suborno verde não era ruim, mas além da cor fosca, vinha num copo sem graça e não dentro de foguetes, carros e telefones, como o suquinho. Eu engolia o caldo ocre resignado.
O tempo atropelou minhas lombrigas e deixou apenas essa história que, certo dia, contei para um amigo. E ainda bem que contei, pois por coincidência, milagre ou misericórdia, não é que meu amigo encontrou o tal suquinho numa mercearia. Comprou um exemplar roxo em formato de carro e foi em casa no mesmo dia.
O líquido ainda estava gelado quando ele me entregou. Minhas mãos e meus olhos ficaram úmidos. Numa espécie de terapia de vida passadas, me sentei no chão e comecei a morder o pára-choque do suco. Quando o plástico se rompeu, espremi todo o líquido goela abaixo até terminar a catarse.
— Gostou? — perguntou meu amigo.
— Parece xixi com tinta — respondi satisfeito.