Imagine uma fábrica abandonada do tamanho de um quarteirão, com chão de cimento liso, vários gaps (subidas e decidas), pátios, bancos, etc, que um bando de skatistas invadiu, grafitou, jogou mais concreto e transformou numa pista de skate. Acrescente a isso uma comunidade se encontrando nesse lugar diariamente para cair e levantar juntos. Esse era o galpão. Shangrilá dos skatistas no meio do triângulo mineiro.
O Galpão não era meu, nem seu, nem nosso. Era terra de ninguém. Bastava ter coragem de atravessar a porta estreita e fazer uso e fruto. Demorei até criar coragem. Temia que fosse barra pesada. Até que fui andar na miniramp e me rendi. Virei frequentador assíduo do turno da manhã. Chegava cedo, quando o Galpão ainda estava vazio e parecia um santuário, dava uma vassourada na miniramp, passava vela no coping e andava até meio dia.
Foi um privilégio social frequentar o galpão. Fiz muitos amigos novos lá, de todas as idades, classes e culturas. Tive muitos alunos e professores lá, tudo gratuito e extra oficial, pois todo skatista é aluno dos que sabem mais e professor dos que sabem menos.
Lembro do começo do fim, quando o funcionário da imobiliária foi lá pela primeira vez falar que iria colocar um portão com cadeado na entrada. Vi o funcionário conversando com um dos skatistas mais velhos, mas não acreditei. Achei que era blefe. Passou um mês e nada aconteceu. Tive certeza que era blefe. Até que começou a guerrilha da ocupação.
Estou velho demais para brincar de Che Guevara. Com a pouca saúde que me resta, subir um caixote de olie air já é um ato revolucionário. Mas acompanhei a guerrilha pela internet. E foi na internet que vi a foto do Galpão destruído. Assim que a construtora ganhou a causa de posse, colocou uma máquina para quebrar os obstáculos e transformou o galpão em um ovo mexido.
Descanse em paz, querido Galpão. Até na despedida você foi grandioso. Não quis sair de cena a francesa, escolheu um Grand Finale.
Sentiremos saudades de sentar no seu concreto, na sua sombra, para descansar do rolê. Sentiremos saudades de entrar por aquela porta estreita que se abria para um universo paralelo. Sentiremos saudades de ficar te olhando e sonhando com tudo que poderia ser construído em você.
Eh, Galpão, mais essa na sua conta! Além de nos ensinar a andar de skate, você nos ensinou a sonhar.
Mas veio o tempo negro e à força fez comigo o mal que a força sempre faz. Não sou feliz, mas não sou mudo: hoje eu canto muito mais!