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Um pouco de malandragem

07/09/2023 by in category Prosa tagged as , , with 0 and 0

Quando seu nome é Marcelo, por exemplo, a sonoridade é moderna, leve, simples. É como se você morasse em um shopping center e fosse irmão do Chat GPT. Nome antigo é outra história. Quando seu nome é Alcibíades, é o oposto, a sonoridade é complexa e carregada de tradição. É como se você morasse no Coliseu e fosse irmão do Aristóteles. Nome moderno é massa. Nome antigo é pedra de responsa.

Tenho um amigo com nome antigo chamado Rosivaldo. Claro que não é jovenzinho. Jogamos futebol juntos toda segunda e quarta. Rosivaldo joga na defesa. Não sei jogar na defesa. Não sei dar trombada. Mas sei exatamente o que um zagueiro deve fazer: impedir o atacante de passar e fazer gol. É isso que Rosivaldo tenta fazer, só que muitas vezes não consegue mais, por causa da idade. Rosivaldo, assim como eu, você e todo ser vivo, por melhor zagueiro que for, não é capaz de impedir o ataque do envelhecimento.

A idade chegou para Rosivaldo. Ele não consegue mais parar os atacantes usando apenas o fair play. Assim como Cássia Eller, Rosivaldo também precisa de um pouco de malandragem. Daí que vem sua fama de botineiro. Ele chega junto. Bate. Não perde a viagem. No grupo de WhatsApp do Racha tem um meme do Rosivaldo dizendo assim: “Que engraçado! Vou chutar sua canela!”

Um dia desses, Rosivaldo me empurrou escandalosamente durante um lance. Fui conversar com ele, reclamar do empurrão. Ele me falou envergonhado: “Você sabe que não fiz por maldade, não foi para machucar, foi para matar um lance que não consigo mais acompanhar. Você me entende?”. Entendi perfeitamente. Desde então, não me incomodo mais com as faltas de Rosivaldo, assim como não me incomodo com a lerdeza dos velhinhos nas filas de self service, nem com minha mãe me contando pela milésima vez a mesma história de família e depois me perguntando se já tinha me contado.

Nascer é começar a envelhecer. Mas só enxergamos isso quando começamos a usar óculos. A velhice nos dá sabedoria, mas retira todo o resto. Retira a visão, a memória, a força muscular, a elasticidade da pele, as pregas do cu, os cabelos da cabeça e, para o desespero dos homens, a ereção. É impossível vencer o jogo contra o envelhecimento, então, é preciso, pelo menos, diminuir a goleada para manter alguma dignidade em campo. Inventamos o botox, o implante capilar, a lente de contato, o viagra, etc.

No caso de Rosivaldo, o jeito foi abandonar o fair play e usar um pouco de malandragem. O envelhecimento justifica a malandragem de Rosivaldo? Claro que não! Mas justifica essa crônica em celebração a esse ilustre companheiro de racha e todos os jogadores de racha da categoria master. Ah! Observação importante! Se você se sentiu excluído dessa celebração, fique tranquilo, o dia da sua celebração irá chegar.

© 2024 · Marcelo Ferrari