Quando ela atende, ele diz que está arrependido, que havia dito coisas de cabeça quente, que não tinha intenção. Pede mil perdões. Inventa mil desculpas. Estende um tapete vermelho. Acende um holofote sobre suas qualidades. “Esquece tudo, vamos virar a página e começar novamente, nosso amor é maior que isso”, ele diz, procurando lembranças afetivas. Pergunta se ela se lembra. Mas o silêncio continua. Nenhuma palavra. Por fim, ela desliga o telefone.
Não, é mentira!
Quando ela liga, ele diz que está jogando videogame, que não pode falar. Pede para ela ligar depois. Muito depois. Depois do jogo. Depois do natal. Depois do próximo ano bissexto. Depois do período supra paleolítico. Depois do carnaval. Inventa mil obstáculos. Liga a luz vermelha. “O jogo já vai começar”, ele diz, pintando tudo de cinza. Mas ela insiste. Mil palavras. Por fim, a ligação cai.
Não, é mentira!
Quando ele liga, ela diz que acabou de fazer as unhas. Pintou de verde. Pintou de rosa. Pintou de bege. Pintou da mesma cor do sapato. Coloca o telefone no viva voz. Pede para ele não desligar nunca mais. Abre a geladeira. Pega duas maçãs. Corta no meio. Coloca açúcar mascavo. Abre o telefone e coloca as quatro fatias dentro. “Eu também te amo”, ela responde sem que ele tenha dito nada. Ele desliga. Ela nem percebe. Continua falando por toda a eternidade.
Não, é mentira!
Ninguém liga. Ninguém se importa. Ninguém sequer ouve a árvore caindo sozinha do meio da floresta. Nem tatu. Nem raposa. Nem mosca-varejeira. As nuvens trombando produzem mel. É um trabalho de formiguinha. Todo dia chove. É um trabalho de formiguinha. As letras vão se juntando e formando palavras. As palavras vão se juntando e formando frases. As frases vão se juntando e escrevendo histórias. As histórias vão se juntando, se juntando, se juntando, e por fim, ela desliga o telefone. Ele atende. A ligação cai.
Não é mentira!