Todos os medos do mundo moram debaixo da minha cama. Posso ouvi-los conversando, fazendo intrigas, esperando que eu desça da cama para agarrar os meus pés.
— Venha logo! Desça da cama! Está na hora! — eles me dizem.
Puxo a coberta curta, que cobre o rosto e descobre os pés, que cobre os pés e descobre a vergonha, que cobre a vergonha e descobre meus segredos inconfessáveis.
— Os paparazzis estão esperando para fotografar seu pinto pequeno e broxa! Os ratos de fraque estão esperando para rir da sua filosofia de botequim! A professora de português está esperando para corrigir sua redação com caneta vermelha! — eles me dizem.
Finjo que estou dormindo, que o sol nunca mais irá raiar, que a cama é um útero e que Deus ainda não inventou o espermatozoide.
— As três campainhas já tocaram! A apresentação vai começar! A cortina vai se abrir! A plateia trouxe tomates podres! — eles me dizem.
Puxo novamente a coberta curta, que cobre a crença e descobre a fé, que cobre os pecados de Geni e descobre o Brejo Da Cruz, que cobre a revolução francesa e descobre Edith Piaf cantando Non je ne regrette rien.
— Venha logo! Está na hora! Jeremias está esperando na Ceilândia. Os jornais precisam noticiar que você cagou nas calças. Os leões estão soltos e não foram alimentados. Pandora já abriu a caixa. — eles me dizem.
Estico a mão até a cabeceira da cama, e, antes de descer, pego e coloco o Anel de Giges.