Pitoco era um cachorro salsicha. Cachorros salsichas são fáceis de tratar e excelentes sirenes de polícia. Minha avó tinha um bando deles. Morriam uns, nasciam outros. Ela sempre tinha uns quatro pela casa. O método de preservação da raça era a pouca-vergonha. O filho transava com a própria mãe e assim por diante. Enfim, mundo cão.
Pitoco era um dos oito filhotes da última ninhada. Ele era o único que ainda morava com os pais. Tinha dois irmãos que moravam perto, com a tia, no sítio vizinho, do outro lado do pasto.
Não sei por que a rixa. Talvez porque Pitoco tenha mamado no peito enquanto seus irmãos tiveram que se contentar com ração de fubá. Ou então, a tia tinha algum desafeto com a irmã. Seja o que for, o fato é que toda vez que Pitoco resolvia atravessar o pasto e visitar os irmãos, era atacado pela tia e pelos ex-companheiros de útero.
Uma vez, durante uma visita, Pitoco foi caminhando com quatro patas e voltou com três. Uma delas foi mastigada pela tia. O reverso também já havia acontecido. Os dois irmãos atravessaram o terreiro e foram escorraçados pelos tios.
Essa introdução é para explicar por que não deixei Pitoco me seguir até o canavial.
Estava descendo o pasto e Pitoco trombou no meu calcanhar. Virei para olhar e ele balançou as orelhas. Ameacei chutar sua bunda. Não funcionou. Tentei espantá-lo com um berro. Também não adiantou. Pitoco ia e voltava feito dor de cabeça.
Então, quebrei um galho de árvore e sapequei seu coro. Pitoco correu um pouco e me olhou triste, sem compreender porque estava sendo chicoteado. Dei a segunda lambada. Depois a terceira, até que ele desistiu de me seguir e voltou para casa.
Ao chegar no canavial, confirmei que a tia de Pitoco estava lá, como de costume. Se Pitoco tivesse me seguido, a surra seria feia e certa. Não sei se cachorro fica magoado e consegue perdoar as pessoas, mas não contei essa história para cachorro ler.