Faz um mês que meu pai está imóvel na cama por ter fraturado a bacia e a costela. Ele não é mais o mesmo. Não me pega no colo e não me levanta acima dos seus 1,90 metros até passar por cima da sua cabeça e me sentar em seus ombros. Parece que ele está da minha altura, pequeno e frágil. Parece que não mereço mais as alturas.
Estou brincando no quintal, eu e meus amigos invisíveis. Minha mãe visível me chama: “Vem cá! Seu pai quer te ver!”. Pergunto onde. “Lá no quarto!”. Sinto um aperto no peito. Parece medo. Digo para minha mãe que não quero ir. “Como não? Seu pai está te esperando, você tem que ir, você precisa ir”. Não vou.
A casa está cheia de gente. O clima é tenso. Subo na cadeira e vejo meu pai dentro de uma caixa de madeira estofada. Todos estão tristes. Inclusive os três pratos de trigo. Meu pai está aqui e também não está mais. — Que aperto é esse que estou sentindo, caro leitor? Parece culpa, falta, abandono! — Minha mãe me diz o que meu pai instruiu meu tio a não me deixar faltar nada. “Então, tio, traz meu pai de volta, que já estou sentindo falta!”.
Não, é mentira!
Meu pai está no escritório desenhando. É uma folha quadriculada enorme. Abro a porta do escritório e ele para de tocar o violino. “Posso ficar com você?”. Meu pai me pergunta se quero desenhar. “Não, pai, eu quero tocar sanfona, mas sanfona é grande e pesada, eu não aguento”. Meu pai segura a sanfona com as duas mãos e faz ela diminuir de tamanho. “Pronto! Agora está menor, pode tocar”. Pergunto se posso tocar sanfona sentada em seu colo. Ele consente. Toco melodia imortal. “É para você, pai”, eu digo.
Não é mentira!