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Homo futebólis

31/12/2024 by in category Prosa tagged as , , with 0 and 0

A depender de mim, as guerras seriam disputadas em um campo de futebol, com onze representantes de cada país. Os goleiros, sendo a função mais sensível do time, seriam os presidentes. Os centroavantes seriam os vices. Os zagueiros seriam os ministros. Não haveria técnicos. Os jogadores teriam que conversar uns com os outros para se organizarem em campo, igual em um racha.

Imagina só! A Segunda Guerra Mundial teria sido a maior copa do mundo de todos os tempos. A bomba atômica teria sido uma final entre Estados Unidos e Japão que terminou com um golaço de bicicleta. Ao invés de destruição e morte, as guerras produziriam partidas inesquecíveis e as assistiríamos repetidamente na televisão. “Lembra daquele gol do Hitler no meio das pernas do Mussolini!”, as pessoas diriam com saudosismo.

A depender de mim, todos os dias da semana seriam substituídos por dias de jogo. Até porque, o primeiro dia da semana, chamado segunda-feira, já está errado. O primeiro dia da semana se chamaria jogo um, o segundo, jogo dois e assim por diante. Os meses seriam substituídos por nomes de campeonatos e os anos, por copa do mundo. Hoje, por exemplo, seria dia 31 de interclubes da copa 2024, jogo três.

A depender de mim, as regras do futebol valeriam para tudo na sociedade. Não haveria mais emprego, cada um teria sua posição no time social. Fez merda? Cartão amarelo! Repetiu a merda? Cartão vermelho! Sai de campo e vai para o cantinho da reflexão pensar na merda que fez. Só pode voltar a jogar no próximo ano, quer dizer, na próxima copa do mundo.

A depender de mim, todos os santos poderiam ser substituídos por jogadores de futebol. Pensa bem! Você já viu algum santo fazendo milagre? Não! Já viu algum jogador de futebol fazendo milagre? Com certeza, vários. Então! Jesus seria preto, pois seria o Pelé. Arcanjo Miguel, de cabelo cacheado, seria o Maradona. O Cupido, pequenininho, seria o Romário. Paulo Rossi, o anjo que fez a seleção brasileira de 82 cair, seria Lúcifer.

A depender de mim, o último dia do ano não terminaria com uma festa de réveillon, terminaria com um racha. De um lado, o time do Arroz Com Uva Passa, do outro lado, o time do Pavê Ou Pacomê. Terminado o racha, resenha sobre os melhores jogos e lances da temporada. A contagem regressiva seria feita por um locutor esportivo: “Lá vem o planeta terra, girou em volta do sol, ficou cara a cara com o ano novo, chutou! É gooooooool!”

A depender de mim, não seríamos homo sapiens, seríamos homo futebólis.

© 2024 · Marcelo Ferrari