“Só faltou você escrever a crônica”, ela me disse.
Olha que sensacional! Essa crônica começa pela ausência da crônica. Fiquei contente. Não tem maior sinal de apreço do que sentir falta. Ninguém sente falta do que não gosta.
Na viagem anterior, havia escrito uma crônica por dia relatando os passeios. Escrevia e postava no grupo de whatsapp da família. Até quem não estava participando da viagem aproveitava a viagem. Ela sentiu falta das crônicas. Surpresa! Olha a crônica aqui! O que faltou foi saco para ficar digitando no teclado do celular. Agora cheguei em casa. Aqui é notebook porra! Vamos tocar esse ukulelê de letras chamado teclado.
É muita coisa para contar numa crônica só, então, vou me concentrar em descrever a paisagem mais bela que vi nessa viagem. Estava fritando de febre, puto com a brisa que vinha de todos os lados e fui me abrigar perto da piscina.
Eis que ouvi uma música de adulto sendo cantada com voz desafinada de criança: “Vou voltar na primavera / Era tudo que eu queria / Levo terra nova daqui / Quero ver o passaredo / Pelos portos de Lisboa / Voa / Voa / Que eu chego já…” .
Era a voz dela. Olhei na direção do som e revi o jardim do éden. Uma menina de nove anos, sentada na janela, viajando pelos melancólicos portos de Lisboa. Que inveja a serpente deve ter sentido da ingênua felicidade de Adão e Eva! Talvez por isso ludibriou ambos a comerem a maçã.
Naquele breve instante, ao vê-la cantando MPB na janela, quis colocá-la numa redoma para evitar que qualquer infortúnio retirasse um triz daquela felicidade. Mas é preciso sair da janela para ver a janela. Todos saímos. Alguns conseguem voltar. Espero que ela consiga.