Às vezes me sinto poeta
as veias se dilatam
a beleza entra
o redemoinho de bosta de galinha
pincelado no terreiro
faz lembrar Van Gogh
Sou uma criança
segurando um algodão doce
no parque de diversões
Às vezes me sinto gaveta
as veias se trancam
a beleza sai
a chuva de granizos
caindo no telhado
faz lembrar o polo norte
Sou um urso
gordo e branco
hibernando a sete chaves
Às vezes me sinto chinelo
as veias soltam as tiras
a beleza se deita
a chuva de verão
caindo feito pinga na goela
faz lembrar Itapuã
Sou um barquinho de papel
flutuando vagaroso
numa bacia com água
Às vezes me sinto cachorro
as veias latem
a beleza mostra os dentes
a chuva de canivete
caindo na alma inocente
faz esquecer o propósito
Sou um lutador
tocando piano
com luva de boxe
Às vezes me sinto quiabo
as veias babam
a beleza escorre
a chuva de ectoplasma
que cai não cai
faz lembrar caramujos
Sou uma mulher
com medo de baratas
em cima da cadeira
Às vezes me sinto eu
as veias sou eu
a beleza sou eu
o redemoinho sou eu
o terreiro sou eu
e não sou nada
Sou um só
feito de tudo
que há
em mim