Tudo começa quando o despertador toca as 6:27 da manhã.
Crianças acordam, apenas acordam. Adultos não. Adultos controlam o tempo.
Adultos acordam as 6:27. E como se não bastasse, as 6:43, já sabem se vai chover na França, que teve terremoto de escala 3,2 na China, que aumentou o preço da gasolina e o que vai acontecer no próximo capítulo da novela.
Acha pouco! Das 6:43 as 6:57, enquanto você está tentando dar seu primeiro passo e articular seu primeiro gugu-dadá, os adulto já andaram pela casa inteira doze vezes, produziram palavras suficientes para cantar todas as músicas do Roberto Carlos, fritaram ovos, lhe deram mamadeira, vestiram e desvestiram suas roupas três vezes, escovaram os dentes, passaram fio dental, mijaram em pé.
E mais incrível!
Amarram o cadarço do sapato sem precisar fazer orelhinhas de coelho.
E o que você fez? Você babou. E nem foi baba voluntária.
Diante sua total incompetência e vendo os adultos fazerem tudo isso, com tanta certeza, rapidez e precisão, qual é sua conclusão?
Os adultos sabem o que estão fazendo.
É inevitável que você pense assim. Um ser que acorda exatamente as 6:27 da manhã, só pode saber o que está fazendo.
Um ser que usa garfo e faca, que bebe leite no copo, e que sabe a cotação diária do dólar, com certeza absoluta sabe o significado da sua existência.
Este é seu primeiro e recorrente equívoco existencial.
É este equivoco que lhe convence a atravessar toda a tediosa e desagradável burocracia que o leva ao diploma de adulto.
Infinitas horas de caligrafia, tabuada e absorção de conhecimentos que vão muito além de garfo e faca. Tortura primária, média, fundamental, superior e pós-graduada.
É uma missão impossível. Mas se você, por um milagre, consegue chegar vivo ao morro do calvário, daí você tem uma iluminação:
Adultos, eu lhes perdoo, vocês não sabem o que fazem.
Seu equívoco fica evidente quando você se dá conta que é um adulto, registrado, carimbado, avaliado, mas não sabe o que está fazendo.
E se sua iluminação é profunda, se é capaz de transcender tudo que você decorou para passar no vestibular, se é capaz de transcender todo catecismo, se é capaz de transcender toda ciência, se é capaz de transcender até René Descartes, então, você imediatamente entende que ninguém sabe o que está fazendo.
E quando digo ninguém, é ninguém mesmo. Nem o papa, nem o presidente, nem anjos, nem os arcanjos, nem mesmo deus.
Você entende que todos estão apenas fazendo. Até porque, não tem outra coisa para fazer, senão fazer alguma coisa.
A única diferença é que uns estão fazendo o que querem, enquanto outros estão fazendo o que não querem.
Uns estão inventando impossibilidades, enquanto outros estão realizando o impossível.
Uns estão fazendo o que foram ensinados a fazer, enquanto outros estão fazendo o que se ensinaram a fazer.
Uns estão brigando com os outros, se obrigando e obrigando todos serem iguais, outros estão desfrutando uns aos outros, curtindo as diferenças complementares.
Uns são deus acreditando que deus sabe o que está fazendo, outros são deus se deuscobrindo.