O telefone toca. Vou atender. É Lima.
Deduzo que vou ficar uns vinte minutos por ali. Puxo uma almofada e me estico no sofá. No meio da conversa, ele menciona a palavra epifania.
— O que é isso? — pergunto.
— Epifania — explica Lima — é o momento sagrado da inspiração. Ontem, por exemplo, senti o cheiro do sabonete enquanto tomava banho e fui atacado por uma terrível epifania. Já faziam 3 anos que não conseguia escrever sequer um bilhetinho para minha esposa, mas bastou uma fungada naquele perfume barato de sabonete e as ideias começaram a despencar na minha cabeça junto com a água do chuveiro.
— O que você fez?
— Entre uma sabonetada e outra, comecei a rascunhar mentalmente uma carta de amor.
— Legal! Como era?
— O primeiro parágrafo era íntimo, falava de coisas que só nós dois sabíamos. O segundo e o terceiro, ampliavam meus sentimentos ao máximo. Seguia-se então uma passeata de versos doces e românticos. Quando terminei o banho, a carta já estava pronta, só faltavam alguns detalhes. Então…
— Então o quê!?
— Então, não sei por que, fiquei muito exigente.
— Exigente!?
— Eu li a primeira frase. Era ótima, mas achei que o verbo escolhido não estava encaixando. Meus sentimentos no segundo e no terceiro parágrafos eram verdadeiros, mas não eram poéticos. Para finalizar, desconfiei da passeata romântica, que me pareceu cansativa e piegas.
— Escreveu a carta ou não?
— O que você acha?
— Sim.
— Não! Minha epifania entrou pelo cano junto com a água suja.
— Credo!
— Mas você entendeu o que é epifania?
— Entendi e preciso desligar.
— Onde você vai?
— Estou com epifania nos dedos.